Os Indígenas e a Revolução de 1817 (Parte 1)

Por Prof. Me. Pedro Pinheiro de Araújo Júnior

 

Introdução

 

No período colonial, no decorrer da vigência do Diretório dos Índios (1757), a atuação dos oficiais e soldados das “ordenanças dos índios” ocorria em certa constância e segundo as necessidades militares da governança da Capitania do Rio Grande do Norte. Os principais indígenas se destacavam nesse processo, pois eram os líderes de seu povo vilado e articuladores deste com a política colonial. Nas cinco vilas de índios criadas pela Coroa portuguesa – Vila Flor, Vila de Arez, Vila de Portalegre, Vila de São José e a Vila de Extremoz do Norte – , foi estabelecido um líder indígena que recebia salário e patente de capitão-mor dos índios.

Na Vila de Índios de Extremoz, o personagem de maior destaque nesse processo foi o capitão-mor dos índios, Hipólito da Cunha da Assunção, que atuou nos espaços militares, sociais e políticos nas três primeiras décadas do século XIX. Em 1806, ele estava responsável pelas seis companhias das ordenanças dos índios daquele termo e galgou por vários anos as funções políticas nesse espaço. Por exemplo, nos anos de 1809, 1816, 1817 e 1822, assumiu o cargo de juiz ordinário na referida vila, sendo indicado também para assumir o cargo de escrivão vitalício da Vila de Extremoz em 1811.

Com a eclosão da Revolução Pernambucana de 1817, Hipólito da Cunha experienciou o movimento de insurreição contra a Coroa portuguesa, estando nos cargos de autoridade militar e de justiça na maior vila de índios no Rio Grande do Norte, sendo convocado pelo governador da capitania para unir as ordenanças dos índios da vila para auxiliar na defesa da sede do poder de um possível ataque dos revoltosos.



A Revolução de 1817

 

A Revolução Pernambucana de 1817 foi fortemente influenciada pelas experiências dos processos revolucionários que ocorreram na França e nos Estados Unidos da América no final do século XVIII e estava atrelada a um caráter liberal, tendo como seus ideais a elaboração de uma constituição, a separação dos três poderes e a concessão de liberdade religiosa e de imprensa.

Apesar da efemeridade do movimento rebelde, durando pouco mais de dois meses, foi a primeira experiência efetiva da separação da Coroa portuguesa da administração de suas Capitanias do Norte no período colonial. Os cabeças dessa inconfidência eram indivíduos das classes militares, comerciantes, proprietários rurais e membros do clero do Bispado de Pernambuco que almejaram constituir uma república que se pretendia estabelecer entre Alagoas e o Ceará Grande e que estavam revoltosos pelo excesso de tributos cobrados nas capitanias para a manutenção da Corte no Rio de Janeiro.

Três dias depois da eclosão da rebelião, chegavam à Cidade do Natal as primeiras notícias da sedição em Recife e, em 13 de março, o governador da capitania do Rio Grande do Norte, José Ignácio Borges, ao ser notificado do evento, preparou-se para um possível confronto na Cidade do Natal e tomou algumas medidas. Dentre as quais, encaminhou cópias de dois editais para todos os chefes dos diferentes corpos militares, comandantes de distritos e dos oficiais camarários das vilas da capitania alertando sobre os fatos.

Hipólito da Cunha foi acionado pelo próprio governador da sua responsabilidade em guarnecer com as suas seis companhias a Cidade do Natal contra os insurgentes e de fazer um esforço de guerra para confecção de artefatos bélicos indígenas e da Coroa que estavam no depósito da vila, principalmente na confecção de “embira para murrão”, que eram cordas de estopa que após serem colocadas nos mosquetes e arcabuzes, eram acendidas com fogo para acionar os disparos dessas armas.

 

Ao capitão-mor das ordenanças de índios da Vila de Extremoz

 O senhor capitão-mor de ordenanças de índios da Vila de Extremoz, em concorrência com o aprontamento da embira para murrão, que já lhe determinei, faça também reparar todos os arcos, e flechas, e chuços de pau, que se acham no depósito dessa vila, continuando em mandar fazer de novo armas desta espécie, e recolher ao armazém, e pondo de acordo a todos os índios dessa vila que acudiram com elas debaixo do seu comando, e mais oficiais à minha primeira ordem.

Cidade do Natal, 18 de março de 1817.

José Ignácio Borges

(Lemos, 1913, p. 41).

 

Contrário a essa movimentação das forças militares, estava o líder do movimento rebelde na capitania, o coronel de cavalaria, André de Albuquerque Maranhão, que já estava em confabulação com os grupos inconfidentes e seus parentes de Pernambuco e da Paraíba.

Segundo os autos do processo contra os partícipes do movimento antimonarquista, o coronel rompeu com a monarquia portuguesa se aliando aos republicanos de Pernambuco, onde contou com apoio dos membros da família Albuquerque Maranhão, do padre João Damasceno Xavier Carneiro Gondim e do vigário de Goianinha, Antônio de Albuquerque Montenegro.

O processo revolucionário no Rio Grande do Norte foi iniciado na madrugada de 25 de março de 1817, durante o pernoite do governador no Engenho Belém. O coronel André de Albuquerque conseguiu arregimentar centenas de soldados “com o grande número de índios” das ordenanças de Vila Flor e Arez que já estavam no Engenho Cunhaú. Convencidos por ele para a causa republicana, o seguiram e cercaram o dito engenho, onde o coronel “então proclama altamente a insurreição”. Dentre os rebeldes que acompanhavam o coronel, estava José Ignácio Marinho, que marchou com mais seis ordenanças e mais dezessete “índios” para reforço das tropas insurgentes.

Com a prisão do governador deposto e de seus oficiais no Engenho Belém, André de Albuquerque, seus aliados e as tropas do seu distrito das ordenanças das vilas de índios de Flor e Arez, marcharam em direção a Vila de Índios de São José, onde também fizeram a proclamação de independência, tendo sido acompanhados de uma “escolta de índios” e “com muita gente armada” que apoiaram o movimento político.

Em Natal, na manhã de 28 de março, a marcha dos inconfidentes não encontrou resistência na sede do poder da capitania, e unindo-se com o povo da cidade deram gritos de “Viva a Liberdade” e aboliram o “governo Real, e alevantou o rebelde”. Com a instalação de um governo provisório, foi empossado André de Albuquerque Maranhão como presidente do Rio Grande do Norte e dos demais membros do seu conselho.


Para Saber Mais:

Isabel Gondim. Sedição de 1817 na Capitania ora Estado do Rio Grande do Norte.

João Paulo Peixoto Costa. Os índios do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817.. Revista Diálogos.

Mariana Albuquerque Dantas. Dimensões da participação política indígena na formação do Estado nacional brasileiro: revoltas em Pernambuco e Alagoas (1817-1848) . Tese de Doutorado

Vicente Lemos. Memória sobre a revolução de 1817 pelo governador José Ignácio Borges, seguida de alguns documentos que se referem a mesma revolução. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1910-1913, p. 5-136.