Os Indígenas e a Revolução de 1817 (Parte 2)

Por Prof. Me. Pedro Pinheiro de Araújo Júnior

O apoio dos oficiais indígenas do Senado da Câmara da Vila de Extremoz

 

Com o estabelecimento da proclamação de independência contra a Coroa e a garantia da manutenção dos cargos de autoridade em todo o espaço do Rio Grande do Norte, Hipólito da Cunha da Assunção se viu numa situação de tensão política, pois em uma semana estava servindo a Coroa, garantindo seus soldados das companhias das ordenanças dos índios em prontidão para proteger a capitania, e na semana seguinte, estava jurando com os seus colegas militares das ordenanças, do quartel de linha e das forças milicianas o apoio ao governo republicano.

Ademais, essa estratégia adotada por Hipólito da Cunha em não se opor ao movimento rebelde contra a Coroa, mesmo recebendo avisos de seus superiores coloniais semanas antes da capitulação de Natal, pode ser compreendida como sobrevivência política diante da mudança abrupta de regime político que estava se configurando. Possivelmente, alguns questionamentos foram estabelecidos entre os principais indígenas e demais moradores das vilas de índios, principalmente no tocante à manutenção da legislação sobre os povos vilados, das suas terras que já estavam em processo litigioso desde o início do século e da precarização de sua mão de obra. Com a nova realidade política, o povo indígena seria escravizado? Era um questionamento plausível à época.

E esses questionamentos podem ter levado a um direcionamento comum entre os principais indígenas da capitania e demais comandados em dar total apoio à causa liderada pelo coronel André de Albuquerque Maranhão, em vista de ser uma oportunidade de sugerir mudanças no Diretório dos Índios em favor dos povos vilados e nas relações políticas entre as autoridades e as lideranças indígenas nas vilas.

Ademais aos fatos, o agora “patriota juiz ordinário” Hipólito da Cunha, nessa conjuntura colaborativa com as novas autoridades do Rio Grande do Norte, encaminhou os primeiros ofícios ao presidente da província sobre questões administrativas e de segurança pública na Vila de Extremoz.

No mesmo dia, após despachar os ofícios e demais documentos da administração da vila, o capitão-mor dos índios iniciou suas atividades políticas ao convocar os seus pares para a vereação de 5 de abril de 1817 do Senado da Câmara da Vila de Extremoz após os edis receberem a proclamação do governo provisório e darem a devolutiva do apoio ou não ao processo sedicioso. Segue a transcrição:

 

Viva [à] Pátria

Respeitável Governo Provisório

Recebemos o vosso ofício datado de 31 do mês passado, em que nos participais estarmos livres do pesado jugo da tirania com que eramos até agora governados, pois, que havia muito tempo, que se espoliados os nossos direitos, aterrados os nossos ânimos, vivíamos nas duras cadeias do despotismo. Teríamos certos de quais sejam os honrados patriotas de que se compõe o governo provisório desta Província do Rio Grande do Norte , ao qual já de agora reconhecemos por legítimo, e único que nos deve governar, e vos certificamos que empenhamos todas as nossas forças para infundir nos povos deste nosso termo amor à Pátria, à Liberdade, e Religião. Nós, vos representamos que por falta de pelouros neste senado que se devia proceder para novos oficiais de que ele se compõem, estamos servindo desde o ano passado, ao que não temos podido providenciar igualmente vos representaremos que este senado não tem patrimônio algum, para de seus editos se suprirem as despesas necessárias, para cuja falta se acha a Casa da Residência bastantemente arruinada, e o Pelourinho no chão até o alicerce, que tudo pede a mais pronta providência. Deus vos Guarde, Vila de Extremoz, 5 de abril de 1817. Ano 1º da nossa independência.

 De Vossos Patriotas 

Hipólito da Cunha da Assunção [índio juiz ordinário]

José Mendes de Miranda [índio vereador terceiro]

Alexandre Ferreira de Miranda [procurador do conselho]

Francisco Lopes de Vasconcelos [vereador segundo]

José Alexandre Rodrigues [capitão de índios]

(Biblioteca Nacional., AUTOS do processo para julgamento dos rebeldes de Pernanbuco participantes da rebelião de 1817. Pernambuco; Rio Grande do Norte, 1818, 302 doc (918 p) Manuscritos I-31,02,001, doc.204).

Essa vereação assinada pelos edis de maioria indígena da Vila de Extremoz foi o primeiro registro de apoio a André de Albuquerque Maranhão e a sua governança rebelde aquartelada na Cidade do Natal e de que o povo desse termo o reconhecia como legítimo e único governante do Rio Grande do Norte e que se empenharia em apoiar o movimento. O documento apresenta a bancarrota econômica que estava a sede da vila de índios, que após 57 anos de fundação, a Casa da Câmara e Cadeia e o pelourinho achavam-se decrépitos.

Ainda assim, um dos trechos mais importantes do documento, que relata a expropriação “dos nossos direitos”, dá indícios do apoio dos principais indígenas de Extremoz à causa republicana, sendo esse discurso uma provável relação com a questão do território social dos indígenas no vale do rio Ceará-Mirim, onde este foi perdido para o sesmeiro José Teixeira da Silva por meio de uma decisão judicial proferida em 31 de maio de 1813 pelo Tribunal do Desembargo do Paço. Além dessa questão, as duas sesmarias dos índios do vale do dito rio e a sesmaria do patrimônio da Vila de Extremoz estavam em processo de esbulho pelos potentados locais em desfavor do povo vilado que tinham nesses locais seus únicos roçados nas áreas de várzea, portanto, o novo movimento político poderia, sob essa ótica, mudar a realidade de desapropriação das terras dos povos daquela vila. 

 

A participação das ordenanças dos índios

 

Apesar da historiografia do Rio Grande do Norte do início do século XX eclipsar a participação indígena no movimento rebelde, se percebe nas análises documentais um contexto completamente diferente, no qual em muitos dos momentos de tensão no processo sedicioso, os soldados e oficiais das ordenanças dos índios estavam partícipes do movimento militar de rebelião contra a Coroa. Desse modo, reforça-se a ideia de que os militares indígenas tinham um papel preponderante nas atividades bélicas nas Capitanias do Norte, principalmente nesse contexto revolucionário, seja no chamamento para a causa da “Pátria”, no envio de “índios correios” com papéis sigilosos dos líderes do movimento para outras capitanias e na segurança das povoações da província contra assaltantes que incomodavam os moradores locais, ou quando os soldados índios mudaram de lado político e retomaram o apoio às forças monarquistas na Paraíba e no Ceará, por exemplo.

Por fim, e presumivelmente, sem o apoio inicial dessas forças indígenas das Vilas de Índios de São José, Arez e Flor à Revolução de 1817, o coronel André de Albuquerque Maranhão e seus aliados não teriam êxito em prender o governador no Engenho Belém, tomar a capital do Rio Grande do Norte e implementar o efêmero governo republicano naquele momento histórico.

Para Saber Mais:

Isabel Gondim. Sedição de 1817 na Capitania ora Estado do Rio Grande do Norte.

João Paulo Peixoto Costa. Os índios do Ceará na Revolução Pernambucana de 1817.. Revista Diálogos.

Mariana Albuquerque Dantas. Dimensões da participação política indígena na formação do Estado nacional brasileiro: revoltas em Pernambuco e Alagoas (1817-1848) . Tese de Doutorado

Vicente Lemos. Memória sobre a revolução de 1817 pelo governador José Ignácio Borges, seguida de alguns documentos que se referem a mesma revolução. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, 1910-1913, p. 5-136.