O Partido Português e o Partido Brasileiro

Retrato de Dom João VI, por Jean-Baptiste Debret.

Retrato de Dom João VI, por Jean-Baptiste Debret.

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

É importante saber que o processo de independência do Brasil não é um fato isolado que se dá no dia 7 de setembro de 1822, às margens do Riacho Ipiranga. Ele se inicia, na verdade, com a chegada da família real portuguesa ao Brasil, em 18 de janeiro de 1808, fugindo de Napoleão Bonaparte que tinha invadido Portugal, por este manter-se aliado a Inglaterra. A chegada de D. João VI e toda sua comitiva a colônia transforma por completo a situação política dos brasileiros, primeiro porque o rei não poderia viver numa colônia, por isso, o Brasil deixou de ser colônia de Portugal naquele momento, sendo elevado ao mesmo nível de Portugal e Algarve, nasce o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve. Isso elevou os brasileiros a mesma situação de cidadania que os portugueses, podendo agora cada província (os atuais Estados) elegerem deputados para as representarem diante Del Rei.

Esse processo, por si só, já iniciou uma reorganização política em todas as províncias, sobretudo, as do norte da colônia (lembrando que a região norte do atual Brasil não fazia parte da colônia Brasil, e sim da colônia Grão-Pará), como Ceará, Rio Grande e Paraíba. A transformação mais evidente se dá em 1818 quando o Rio Grande, que já fora dependente administrativamente de Pernambuco, deixa de ser dependente judicialmente da Paraíba, tendo constituída sua própria comarca. As eleições se tornam agora mais acirradas porque as chances de projeção política ao lidar diretamente com o rei eram mais interessantes do que antes que tudo tinha que passar pelos capitães-mores de Pernambuco ou da Paraíba. José Ignácio Borges que era o presidente da província sofreu com os conflitos com os seus opositores como nenhum outro capitão-mor havia enfrentado antes (uma observação: a diferença de nomenclatura se dá porque, em 1821, as antigas capitanias, governadas por um capitão-mor, são transformadas em províncias, governadas agora por um presidente).

As eleições agora são disputadas por um Partido Português, defensor da relação com o rei e a colonização, que tinha como principal líder o ouvidor Mariano José de Brito Lima, e reunia a população de origem portuguesa da cidade; e um Partido Brasileiro, liderada pelo cel. Joaquim José do Rego Barros, que defendia ideias liberais e abraçava a população nascida na colônia. Ambos os partidos, no entanto, envolvem apenas a elite da cidade, comerciantes, donos de engenho, senhores de escravos, são eles que participam destes dois partidos em conflito. A rusga se intensificou nas eleições de 3 de dezembro de 1821. O Partido Brasileiro ganhou os sete lugares para a Junta Governativa composta por um presidente, Joaquim José do Rego Barros; um secretário, Manuel de Melo Montenegro Pessoa e cinco conselheiros, padre Francisco Antônio Lumache de Melo, cel. Luís de Albuquerque Maranhão, cap. Antônio de Rocha Bezerra, sgt-mor Manuel Antônio Moreira e cap. Manuel de Medeiros Rocha. No entanto, em 7 de fevereiro de 1822, incitados pelo Partido Português (que acusava de irregularidades porque a Junta deveria ter apenas cinco membros e não sete) o Batalhão de Linha da cidade ameaçou intervir se o Senado da Câmara não elegesse uma nova junta, com membros apenas do Partido Português. O Senado atendeu o pedido, votando a ilegitimidade da junta por causa de suas inclinações para a separação do Brasil de Portugal, como diz Tavares de Lira.

“Está aqui traçado o plano a que obedeciam o ouvidor e seus partidários. A princípio, pretendia que aquele, sob o fundamento de estar irregularmente constituída a junta, convocasse os eleitores da paróquia para uma nova eleição; e, como o não conseguissem, mudaram de tática, solicitando desde logo o apoio da força armada para a organização imediata de um governo temporário” (Tavares de Lira).

A nova Junta Governativa, apoiada pelo Partido Português, foi oficializada em 7 de fevereiro daquele ano e era composta por Francisco Xavier Garcia, como presidente; Matias Barbosa de Sá, como secretário; e Franciso Xavier de Souza Junior, Inácio Nunes Correia Tomás e Pedro Paulo Vieira como conselheiros. O que causou revolta em outras cidades como em Arez e Açu. Em que discursos que chamavam o que se dava na capital de ardil perverso para alcançar interesses particulares, acusando-os de sedição e traição, foram veementemente pronunciados nas suas respectivas câmaras.

“O governo instalada no dia 7 pela força armada é ilegítimo, rebelde e criminoso, a quem não obedecemos, e só reconhecemos por nosso legítimo governo ao repelido dessa capital pela força, pois que foi eleito segundo o decreto das Cortes pelos votos dos eleitores, representantes dos povos das paróquias, com toda a liberdade e franqueza. Isto é o que se chama povos, e não a tropa e uma pequena porção de indivíduos facciosos dessa capital que não tem direito algum de assumir aí os direitos e vontades de milhares de habitantes e das autoridades de toda a província” (Resposta da Câmara da Vila da Princesa - Açu, 23 de fevereiro de 1822).

A confusão estava feita! As câmaras também de Portalegre e da Vila do Príncipe (hoje Caicó) também se manifestaram contra o governo e este resolveu denunciar todos os insubmissos diretamente ao rei, D. João VI. Mas o conflito tornou a manutenção da Junta insustentável, fazendo com que o Senado da Câmara de Natal convocasse novas eleições em março aquele ano, com atendimento recorde de eleitores (24 no total). O Partido Brasileiro venceu novamente. Foi eleito para presidente, o padre Manoel Pinto de Castro; para secretário, Manuel Antônio Moreira; e para conselheiros, João Marques de Carvalho, Agostinho Leitão de Almeida e Tomás de Araújo Pereira. Isso novamente revoltou alguns oficiais do Batalhão de Linha da cidade que, desta vez, foram sumariamente despedidos e obrigados a seguir por terra para Pernambuco, ou seja, foram expulsos da província. Desamparado, sem seus principais apoiadores, o ouvidor Mariano de Brito fugiu para o Rio de Janeiro, sob a desculpa de uma licença.

Para Saber Mais:

Tavares de Lira. História do Rio Grande do Norte.