O Golpe Militar no Rio Grande do Norte

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares





Contexto Brasileiro

Sucedendo Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros assumiu o governo brasileiro em 31 de janeiro de 1961 com uma proposta reformista. Isso ia tão contra os desejos das elites, apesar de ser a vontade democrática da maior parte da população, que o presidente foi forçado a renunciar o cargo, graças a uma pressão do Congresso, com seis meses de mandato. Segundo as regras de sucessão, o governo deveria ser assumido pelo vice-presidente João Goulart, porém uma imposição foi feita a ele: aceitar o regime parlamentarista, em que as decisões executivas seriam divididas entre o presidente e um primeiro-ministro eleito pelo Congresso. Goulart aceitou as condições, porém um plebiscito, organizado para dar aspectos democráticos ao golpe parlamentar, iniciou uma campanha chamada de Diretas Já, que aprovou o presidencialismo, devolvendo ao presidente seus poderes plenos, e enterrando o parlamentarismo.

Presidente João Goulart

As propostas de Goulart, no entanto, não diferiam muito daquelas que Jânio Quadros queriam implementar. Um exemplo disso foi o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, organizado pelo Ministro Celso Furtado. Resumidamente, estes objetivos deste plano seriam: 1) manter uma elevada taxa de crescimento do PIB; 2) reduzir de forma gradual o processo inflacionário; 3) reduzir o elevado custo social, característico do desenvolvimento brasileiro, melhorando a distribuição de renda; 4) intensificar o investimento do governo nos campos da educação, pesquisa, tecnologia e saúde pública; 5) reduzir as desigualdades regionais; 6) eliminar progressivamente os “entraves institucionais” à continuidade do desenvolvimento (dentre esses “entraves” destacava-se a estrutura agrária baseada no latifúndio, realizando, portanto, reforma agrária); 7) refinanciar a dívida externa; e 8) assegurar ao governo uma unidade de comando crescente dentro de sua própria esfera de ação.

Essas ideias assustaram, novamente, a elite brasileira que corria para organizar marchas pela Pátria, Deus e a Família. Além disso, sua política externa de caráter independente atraiu a atenção estadosunidenses. O governo era apoiado um movimento nacionalista liderado por Leonel Brizola, Mauro Borges e José Joffely, chamado de Frente de Mobilização Popular, composto pelo movimento estudantil, operários, ligas camponesas e os subalternos das Forças Armadas (sargentos, marinheiros e fuzileiros navais). As bandeiras desse movimento eram a alfabetização em massa, reforma agrária e a reestatização de setores da economia que estavam nas mãos de empresas oriundas dos EUA.

Almirante Sylvio Mota

Em 25 de março de 1964, estes subalternos das Forças Armadas, fizeram uma manifestação no Rio de Janeiro, que foi desautorizada imediatamente pelo Ministro da Marinha, Sílvio Mota. Para reprimir as manifestações a favor das reformas propostas pelo governo, o ministro demitiu o almirante Aragão, que comandava os fuzileiros, e depois pediu demissão (afinal estava demonstrando agir contra o governo). Goulart então nomeou como ministro Paulo Rodrigues, que fazia parte dos grupos mais subalternos e defensores do governo, rompendo com a hierarquia de comando. Os militares então ficaram profundamente contrariados pelo que consideraram desrespeito.

Governador José Magalhães Pinto

Seis dias depois, os líderes militares se reuniram em Juiz de Fora, recebidos pelo governador mineiro Magalhães Pinto, e decidiram iniciar uma “revolução”. Um manifesto foi escrito: o governo era acusado de fomentar a indisciplina militar e realizar reformas que sacrificavam a “moralidade constitucional”. Os governadores do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Ademar de Barros, foram os primeiros a se juntar aos conspiradores. O porta-voz da “revolução”, o general Olímpio Mourão, pelo rádio anunciou que Juiz de Fora era a “capital revolucionária do país” e anunciou o golpe.

Muitos políticos brasileiros fugiram do país ali mesmo. O fluminense Badger Silveira e o pernambucano Miguel Arrais foram presos enquanto tentavam escapar dos golpistas. Goulart viaja para o Rio Grande do Sul para se reunir com Brizola tentando montar uma resistência, mas isso é interpretado pelos militares como uma fuga do pais, e o presidente do Senado, Auro Andrade, declara o cargo vago “porque o presidente não se encontrava mais em território brasileiro”. Jango só foge para o Uruguai um mês depois do golpe.

Como fala Luciano Capistrano, os militares não perderam tempo. Eles ocuparam as ruas das cidades brasileiras com soldados e tanques, e imediatamente demonstraram o caráter autoritário no novo regime. Sindicatos foram fechados, a sede da UNE (União Nacional dos Estudantes) foi incendiada e direitos políticos foram cassados.








O Golpe no Rio Grande do Norte

.No Rio Grande do Norte, na década de 1960, a política estava dividida entre duas oligarquias: uma liderada por Aluísio Alves, mais liberal, e uma liderada por Dinarte Mariz, mais tradicional. Aluízio Alves acabara de vencer a eleição contra seus inimigos da UDN (União Democrática Nacional) quando o golpe acontece. Aluísio, apesar de ter sido eleito com apoio dos grupos de esquerda locais, inclusive tendo Djalma Maranhão em seu palanque, e ter ficado ao lado de Jango enquanto este estava no poder, apoia o novo regime, e publica uma nota na Tribuna do Norte (jornal fundado por sua família), intitulada Ao Povo do Rio Grande do Norte, em que clama ao potiguares para permanecerem calmos e evitarem “manifestações que aprofundem divisões”. Diz ele:

“Ao Povo. O Governador do Estado está acompanhando, pelos meios a seu alcance, os acontecimentos que se desenrolam no país, a partir da crise que tão profundamente atingiu a disciplina da Marinha, e, ontem, a Guarnição do Exército de Minas Gerais. Pede ao povo que se conserve calmo, evitando atos ou manifestações que aprofundem as divisões nesta hora em que todos os esforços devem ser feitos para a restauração da paz e preservação da Democracia”. (ALVES, 1/4/1964, grifos nossos).

Prefeito Djalma Maranhão

A Tribuna do Norte, inclusive, é o veículo que mais abertamente defende o movimento na cidade. As manchetes da primeira página, no dia 1º de abril, são: “As três Armas de prontidão: Ministro da Guerra garante legalidade e exonera generais que se rebelaram”, “Amaury Kruel aderiu à rebelião e marcha contra a Guanabara” e “Em Natal: Forças Armadas de prontidão aguardam melhores notícias”. E, não deixa de relatar: “Djalma Maranhão solidário com Jango”, pois, naquele mesmo dia, no Diário de Natal, o prefeito da capital potiguar faz o caminho oposto ao governador. Djalma Maranhão assina uma nota em que afirma que a prefeitura de Natal era o “quartel-general da legalidade e da resistência”.

No mesmo Diário que registrava as palavras contra-golpistas do prefeito da capital, o contra-almirante naval de Natal, o coronel Carlos Mendonça Lima, escreveu:

"Na qualidade de Comandante das Organizações Naval e Militar desta capital e deste Estado, e na obediência as instituições dos Comandos Superiores sediados em Recife-PE, sentimo-nos no dever de nos dirigir à população Ordeira desta capital, com a finalidade principal de hierarquizar a Família Natalense, face os acontecimentos que se desenrolaram no sul do pais. E tendo em vista a ameaça do Senhor Prefeito desta capital, transmitida diretamente ao comandante da Guarnição Militar, de desencadear a Greve Geral em todo o Estado e em particular nesta capital, medidas Preventivas e Repressivas estão sendo adotadas pelas autoridades militares das Forças Armadas em Natal, em íntima ligação e entendimento com o Senhor Governador do Estado, no sentido de expandir a todo custo, mesmo o emprego violento da força, caso necessário, a perturbação da Ordem Pública" (LIMA, 1/4/1964)

Dois dias depois, um novo texto do governador é publicado nas páginas da Tribuna do Norte:

“Ao Povo do Rio Grande do Norte. O Governador do Rio Grande do Norte, agora informado das razões e objetivos do movimento ontem deflagrado sob a liderança do Governador Magalhães Pinto, quer manifestar o seu apoio aos ideais dessa posição que visa à autêntica legalidade democrática, realmente ameaçada por atitudes-fatos que não eram ainda do conhecimento público. Lamenta que o Presidente João Goulart, a quem conhece e sempre há de proclamar inestimáveis serviços ao Rio Grande do Norte, no plano do seu desenvolvimento econômico-social, além de uma luta áspera por modificar estruturas que precisam ser urgente e profundamente reformadas para atender aos anseios do progresso nacional, não tenha podido impedir a radicalização das posições ideológicas e políticas, conduzindo o país a um impasse intolerável, que só pôde ser solucionado com o respeito às tradições das Forças Armadas, [...]. O Governador do Estado pede ao povo que fique tranquilo [...] para resguardar os melhores interesses do Rio Grande do Norte e da Democracia. Palácio da Esperança, Natal, 1º de abril de 1964. ALUIZIO ALVES – Governador” (ALVES, 3/4/1964, grifos nossos)

Governador Aluízio Alves

O discurso do governador é apaziguador, ele inclusive não se indispõe nem com o presidente deposto nem com as forças golpistas, contudo, na prática, ele é quem é responsável por implementar as primeiras ações de repressão contra os inimigos da ditadura militar. O governador manda buscar, em Recife, os delegados da Polícia Federal, José Domingos da Silva e Carlos Moura de Moraes Veras, que produziram o Relatório Veras, quem em 67 páginas identificavam os “subversivos” do estado. Na listagem estavam registrados os nomes de sindicalistas, artistas, servidores públicos (o governador demitiu 82 servidores acusados de subversão), ferroviários, além do professor Moacyr de Góes, o médico Vulpiano Cavalcanti, o jornalista Ubirajara de Macedo, o pastor José Fernandes Machado, e, é claro, o prefeito de Natal, Djalma Maranhão.

Como afirma Arlan Leite, com o fim da indecisão e da expectativa tanto do governador Aluízio Alves quanto da Tribuna do Norte em relação à adesão ao golpe militar, ambos, governo e jornal, passaram a construir os mecanismos de consolidação do estado de exceção no Rio Grande do Norte. O “Inquérito da Subversão”, que era um inquérito civil criado na administração estadual de Aluízio, ganhou notoriedade também pelas palavras impressas. A “subversão” significava qualquer atividade política que se colocasse contra os representantes do regime ditatorial que se instalava, e essa palavra passou a ser “um instrumento poderoso para incriminar, traçar fronteiras entre a ordem e a desordem, expurgar e execrar sujeitos e espaços” (LEITE, 2016). Um editorial de título Expurgo dos Criminosos, de 23 de abril de 1964, dá o tom: Miguel Arrais e Djalma Maranhão são chamados de pelego-comunistas, e a revolução é moralizadora e purificadora, que devolvia os valores da pátria e instauraria a ordem.

Mas a verdade, é que apesar da imprensa exagerar nos planos comunistas, criando um inimigo, estes grupos não eram articulados o bastante para esboçar nenhum tipo de resistência. Ainda no dia 1º de abril, a assembleia estudantil organizada no Restaurante Universitário foi dissolvida; no dia seguinte, as 21h, a prefeitura da cidade foi invadida, com chutes nas portas e gritos de “Acabou a baderna! Para fora, comunistas””, Djalma Maranhão e o vice-prefeito, Luiz Gonzaga dos Santos, foram presos e a Câmara Municipal declarou vagos os seus cargos, sendo o vice-presidente da Câmara, Raimundo Elpédio da Silva, quem assumiu provisoriamente o cargo de prefeito, mais tarde ocupado pelo o contra-almirante Tertius César Pires de Lima Rebello.

O prefeito foi conduzido ao QGE ( Quartel General do Exército ), àquele tempo localizado na praça André de Albuquerque; e levado à presença do coronel Mendonça Lima. O coronel lhe propôs que renunciasse ao cargo, e em troca disso, garantiria a sua liberdade. Djalma Maranhão “em nome da honra do povo da cidade de Natal que o teria elegido” não aceitou, foi então levado ao 16º RI, onde ficou preso. Na mesma noite foi preso também o vice-prefeito, mas sem a oferta de renúncia.

A vitória do movimento militar foi muito comemorada através da realização da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no dia 7 de abril de 1964, com a participação expressiva de toda a elite potiguar, ansiosa para apoiar o novo regime.


Para Saber Mais:

Aline Atassio. A batalha pela memória: os militares e o golpe de 1864

Arlan Leite. O jornal Tribuna do Norte e o golpe militar de 1964: a publicidade da ‘subversão’ potiguar

Bruno Barreto. O Golpe Militar no RN: quem aderiu, quem resistiu e as consequências políticas

Celso Furtado. Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social.

João Justo Sobrinho. Movimento militar de 1964 no Rio Grande do Norte.

Luciano Capístrano. O Golpe Militar no Rio Grande do Norte e os norte-riograndenses mortos e desaparecidos (1969-1973)