Os Ritos Dos Tarairiú
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Temos acesso a alguns rituais dos tarairiú a partir dos cronistas europeus que estiveram no Nordeste brasileiro descrevendo as populações indígenas que viviam por aqui. Essa produção literária se inicia ainda em 1500, porém a partir de 1700 ela ganha um sentindo ainda mais etnográfico, com um interesse ainda maior com os hábitos e práticas dos povos indígenas.
Um dos rituais que temos acesso são os ritos de cura, que eram realizados por seus pajés. O uso do tabaco para defumações era o ritual principal de cura, além do uso de ervas, provocação de vômitos para limpeza estomacal e escarificações cutâneas para permitir que os maus espíritos, que estavam causando as doenças, saíssem do corpo do adoentado. Caso, no entanto, reconhecessem que a cura era impossível, a eutanásia era aplicada. O ritual é descrito por cronistas completamente chocados pela praticidade indígena. Reconhecendo que a cura não poderia acontecer, o doente deveria ser morto a golpes de clava. Mas antes, ele e seu assassino sentavam juntos e comiam, o doente agradecia ao seu assassino por livrá-lo da vergonha de morrer doente, ele morreria como um guerreiro morto por outro guerreiro. O ataque de serpentes venenosas e de piranhas eram os principais motivos para estas mortes.
Os tarairiús também praticavam o chamado endocanibalismo. Isto é, eles comiam os membros da própria tribo. Os ossos dos falecidos, como também seus cabelos, depois de secos no Sol, eram cozidos no fogo e depois pulverizados no pilão. Essa farinha era misturada com mel e comida junto com tapioca em homenagem aos mortos. Os guerreiros das tribos inimigas, depois de capturados em batalha, também poderiam participar desse processo se demonstrassem grande coragem. Sobre seus mortos, os tarairiús guardavam na memória o local em que as pessoas importantes de sua tribo haviam morrido, e transformavam este lugar em centro de peregrinação, aonde retornavam para prestar homenagens ao morto. Os cronistas coloniais obviamente registraram estes ritos como algum tipo de ritual demoníaco, quando na verdade os tarairiús estavam apenas honrando seus antepassados.
Um rito também muito interessante fala sobre o casamento. Quando a menina chegava a puberdade, tendo a sua primeira menstruação, seus pais marcavam com o pajé da tribo uma festa. Nela, todos os homens solteiros eram convidados e colocavam-se a dançar, cabia a jovem mulher escolher seu futuro marido durante esta dança. Para assinala-lo, ela deveria ficar por trás dele. Após a escolha, eles estavam noivos e cabia agora ao genro ajudar na manutenção da casa do seu sogro, trazendo caça e mel para os pais da sua noiva. Na hipótese da jovem não escolher nenhum dos homens solteiros, ela tornar-se segunda esposa de qualquer um dos homens já casados, porém nenhum ritual ou comemoração acompanhava essa decisão. Os guerreiros mais formidáveis das tribos chegavam a ter até cinquenta esposas. Um elemento interessante: se um tarairiú matava um membro de sua própria tribo, sua esposa e filhos passavam agora a ser sua responsabilidade. A festa do casamento durava três a cinco dias, ocorrendo danças e cantos. Quando casavam, os homens furavam suas faces, colocando pedaços de ossos ou de madeira nas bochechas.
Quando as mulheres se descobriam grávidas, os homens abstinham-se de contato sexual com elas até enquanto a criança estivesse sendo amamentada. Ele então passava a morar com uma de suas outras esposas. Quando ela estivesse prestes a dar a luz, a mulher se recolhia em alguma caverna ou mesmo na mata, onde tinha a criança. Após seu nascimento, elas cozinhavam o umbigo e a placenta, que consumiam. Quando as mulheres entravam em trabalho de parto, os homens também se isolavam, deitavam-se da mesma forma que suas esposas e encenavam um parto. Depois do nascimento das crianças, o homem também mantinha-se descansando por pelo menos oito semanas, recuperando-se do parto. Caso uma criança nascesse morta, a mãe e as outras mulheres de sua família comiam os fetos. Os tarairiús também acreditavam que se uma criança já era capaz de andar, também era capaz de aprender a nadar. O batismo das crianças acontecia por volta dos sete anos, quando elas recebiam o nome e furavam o lábio inferior e as orelhas.
Para saber mais:
Olavo de Medeiros Filho. Os tarairiús, extintos tapuias do Nordeste.