Quem descobriu o Rio Grande?
Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares
Todo mundo sabe responder quem descobriu o Brasil não é? Todo mundo tem a resposta na ponta da língua para essa pergunta. Mas você sabe quem foram os primeiros europeus a pisar no território ocupado pelas tribos potiguaras? O mais famoso é provavelmente Vicente Yáñez Pinzón, capitão da caravela La Niña, que participou da expedição chefiada por Cristovão Colombo que resultou no descobrimento da América. Em 1498, os reis de Castela permitiram que particulares organizassem expedições a América. Pinzon demorou um ano para organizar a sua própria expedição, paga do seu próprio bolso, que saiu de Palos de La Frontera com quatro pequenas caravelas. Amigos e parentes formavam a sua tripulação.
Eles chegaram a Cabo Verde antes do natal de 1499, e esperaram até 13 de janeiro do ano seguinte pelas condições ideais para a travessia atlântica. Dia 21 de janeiro, eles atravessaram o Equador.
Pinzon navegou ao longo das Ilhas Afortunadas, e primeiro estabeleceu seu rumo para as Hespérides, também chamadas ilhas de Cabo Verde, ou ainda melhor, as Górgonas Medusianas. Navegando diretamente para o sul nos idos de janeiro, daquela ilha das Hespérides, chamada pelos portugueses de San Juan, navegaram diante do vento sudoeste por cerca de trezentas léguas, após as quais perderam a visão da estrela do norte. (Pietro Martire D’Anghiera, De Orbe Novo, 1501)
No hemisfério sul encontraram um grande tempestade que os empurrou com mais velocidade a América, poupando-lhes tempo. Eles levaram treze dias para realizar uma travessia que normalmente durava um mês.
Assim que desapareceu, foram apanhados em ventos e correntes e tempestades contínuas, embora, apesar desses grandes perigos, eles conseguiram, com a ajuda deste vento, duzentas e quarenta léguas. (Pietro Martire D’Anghiera, De Orbe Novo, 1501)
O local de chegada de Pinzón é ainda debatido. Ele aportou em 28 de janeiro de 1500, os portugueses sustentam que ele aportou no cabo Orange, no extremo norte do Amapá; os espanhóis, no entanto,, sustentam que ele aportou no cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, ou no cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte, que havia sido batizado de Santa Maria da Consolación. A diferença aqui é por causa de vontades políticas, não de apuração histórica. Mas tomando a versão espanhola, teríamos na pena de D’Anghiera a primeira descrição dos índios potiguaras.
No sétimo dia das calendas de fevereiro, a terra foi finalmente descoberta no horizonte. Como o mar estava perturbado, foram feitas sondagens e o fundo foi encontrado em dezesseis braças. Aproximando-se da costa, eles pousaram em um lugar onde permaneceram dois dias inteiros sem ver um único habitante, embora alguns vestígios de seres humanos tenham sido encontrados nas margens. Depois de escrever seus nomes e o nome do rei, com alguns detalhes de seu desembarque, nas árvores e rochas, os espanhóis partiram. Guiados por alguns incêndios que viram durante a noite, eles encontraram não muito longe de seu primeiro local de desembarque, uma tribo acampava e dormia ao ar livre. Decidiram não perturbá-los até o amanhecer e, quando o sol nasceu, quarenta homens, carregando armas, marcharam em direção aos nativos. Ao vê-los, trinta e dois selvagens, armados com arcos e dardos, avançaram, seguidos pelo resto da tropa armada da mesma maneira. Nossos homens relatam que esses nativos eram maiores que os alemães ou húngaros. Com olhos carrancudos e olhares ameaçadores, eles examinaram nossos compatriotas, que achavam imprudente usar seus braços contra eles. Quer tenham agido assim por medo ou para impedi-los de fugir, sou ignorante, mas, de qualquer forma, eles procuraram atrair os nativos com palavras gentis e oferecendo-lhes presentes; mas os nativos mostraram-se determinados a não ter nenhuma relação com os espanhóis, recusando-se a negociar e mantendo-se prontos para lutar. Eles se limitaram a ouvir o discurso dos espanhóis e observar seus gestos, após o que ambas as partes se separaram. Os nativos fugiram na noite seguinte à meia-noite, abandonando o acampamento.
(Pietro Martire D’Anghiera, De Orbe Novo, 1501)
Pietro Martire D’Anguiera continua seu relato sobre a viagem de Pinzón falando sobre os potiguaras, porém aqui acredita-se que já no litoral cearense (que a época ainda era Rio Grande):
Os espanhóis descrevem essas pessoas como uma raça vagabunda semelhante aos citas, que não tinham domicílio fixo, mas vagavam com suas esposas e filhos de um país para outro nas épocas de colheita. Eles juram que as pegadas deixadas na areia mostram que eles têm pés duas vezes maiores que os de um homem de tamanho médio. Continuando sua viagem, os espanhóis chegaram à foz de outro rio, que era, no entanto, muito raso para as caravelas entrarem. Quatro alças de soldados foram, portanto, enviados para terra e reconhecimento. Eles observaram em uma colina perto do banco um grupo de nativos, para quem enviaram um mensageiro para convidá-los a negociar. Acredita-se que os nativos quisessem capturar um dos espanhóis e levá-lo com eles, pois, em troca de uma campainha de gavião que ele lhes oferecera como atração, eles lançaram uma cunha dourada de comprimento de um côvado em direção ao mensageiro. quando o espanhol se inclinou para pegar o pedaço de ouro, os nativos o cercaram em menos tempo do que o necessário para contá-lo e tentaram arrastá-lo. Ele conseguiu se defender contra seus agressores, usando sua espada e broquel até que seus companheiros nos barcos pudessem vir em seu auxílio. Para concluir em poucas palavras, já que você me falou tão urgentemente da sua partida que se aproximava, os nativos mataram oito dos espanhóis e feriram vários outros com suas flechas e dardos. Eles atacaram as barcas com grande ousadia das margens do rio, procurando arrastar os barcos para terra; embora fossem mortos como ovelhas por golpes de espada e lança (pois estavam nus); eles não renderam isso.
Desse encontro, Pinzón segue a noroeste, o próximo registro feito por D’Anghiera já é quando ele se depara com a foz do Amazonas, e navega o rio chamando-o de Mar Dulce. Para os historiadores portugueses, essa próxima entrada que se relaciona já com o Amazonas seria testemunho contrário da chegada de Pinzón no Rio Grande. Eles acreditam que, se ele navegou do Rio Grande ao Amazonas porque não temos descrições do litoral piauiense e, principalmente, da ilha de São Luiz no Maranhão. Historiadores espanhóis, no entanto, usam o mesmo argumento para rebater a tese portuguesa da chegada no cabo de Orange, já que ele navega para oeste para encontrar o Amazonas. O Mar Dulce fica a sudeste do referido cabo. Pessoalmente sou mais tentado a acreditar nos espanhóis!
Aí você deve se perguntar: então por que a gente não estuda isso na escola? Por que eu nunca ouvi falar em Pinzón? Porque as aulas de História na escola são organizadas para construir um sentido de nação/ criar um sentimento de nacionalismo, para que os brasileiros se identifiquem como uma unidade. Não interessa a escola mostrar que nosso país continental teve uma história fragmentada, que o objetivo da História nunca foi criar o Brasil como ele é hoje. Narrativas que desconstroem essa unidade, apresentando conflitos e outras versões, portanto, são abafadas para não dar margens a sentimentos separatistas, por exemplo.
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