O Jiquiriti e os Abacaxis

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Jiquiriti

Jiquiriti

Jiquiriti é o nome de uma arbusto venenoso (abrus precatorius), natural das Filipinas e Tailândia, conhecida popularmente como Ervilha-do-Rosário, porque com suas sementes vermelhas eram confeccionados rosários e terços. Esse foi o nome com qual foi batizado o iate que era utilizado pelos membros da Sociedade Libertadora Potiguar para levar os escravos para a província do Ceará, onde a abolição da escravidão já havia se dado.

Capa Revista Ilustrada, desenho de Angelo Agostini, 1884.

Capa Revista Ilustrada, desenho de Angelo Agostini, 1884.

No Ceará, o embate para o fim da escravidão tem episódios celebres como a manifestação dos jangadeiros, lideradas pelo Dragão do Mar (ou Francisco José do Nascimento), que se recusaram a transportar aos portos qualquer escravo que chegasse em águas cearenses. A Sociedade Cearense Libertadora também teve uma atuação importante, conseguindo a abolição em cidades como Aracape (hoje Redenção), em janeiro de 1883; Fortaleza, em maio do mesmo ano; e Mossoró, na capitania vizinha, em setembro. A 25 de março de 1884, o presidente da província do Ceará, Sátiro de Oliveira Dias, declara a abolição da escravatura em todo o seu território.

Inspirados pela Sociedade Cearense Libertadora, a elite natalense se organizou também em seu próprio grupo abolicionista (veja isto aqui). Segundo Silvanei Santos, o modo como o grupo objetivou eliminar a escravidão no território potiguar era pelo convencimento dos leitores do seu periódico, através de argumentos que indicassem que a manutenção da escravidão era um ato retrógrado, antieconômico, incivilizatório e contra a moral.

Porém Cascudo afirma que eles não ficavam apenas no discurso. Segundo o mestre, João Avelino e Odilon Garcia, membros da Sociedade Libertadora Norte-Riograndense, não esperaram a promulgação da lei e furtavam escravos, embarcando-os para o Ceará. Nas páginas da História da Cidade do Natal encontramos:

“Rondavam a casa, pulavam o muro, convenciam os negros de que a liberdade era digna de um atrevimento, ajudavam a arrumar os molambos, e fugiam, carregando trouxas, redes, moleques, guiando a caravana até um ponto escondido onda a barcaça, quase sempre o iate Jiquiriti, esperava, balançando-se n’água verde do Potengi” (Câmara Cascudo, História da Cidade do Natal, pág. 370).

No dia seguinte, telegrafavam para João Cordeiro, abolicionista cearense, dizendo: “Seguiram tantos abacaxis no Jiquiriti”. E quando o dono procurava a polícia para denunciar a fuga ou roubo de seus escravos. João Avelino e Odilon Garcia eram os primeiros a lamentar a falta de segurança e de garantia a propriedade na cidade. “Que absurdo! Não há mais nenhuma segurança nesta cidade!”, lamentavam.

Conta Cascudo que numa ocasião um negro recusou-se a fugir. Era velho, doente. Estava acostumado a casa dos donos. Preferia continuar na senzala. João Avelino roncou-lhe: “ou foge ou leva uma surra de cipó”. O negro fugiu. A força, mas fugiu.

Em dezembro de 1887 um desses carregamentos de abacaxis foi descoberto pela polícia cearense. E preso. Pretendiam devolver os escravos para os donos norte-riograndenses. Joaquim Honório viajou de Natal a Fortaleza para defender os escravos, levando uma petição de soltura escrita por Pedro Velho. O advogado apresentou o caso ao Tribunal da Relação cearense, que deu-lhe ganho de causa e libertou os negros.

Para Saber Mais:

Luís da Câmara Cascudo. História da cidade do Natal.

Maria Fernanda Garcia. Dragão do Mar fez Ceará abolir a escravidão 4 anos antes da Lei Áurea.

Silvanei da Silva Santos. Sociedade Libertadora Norte-riograndense e o fim da escravidão no Rio Grande do Norte.