Natal das Antigas

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As Fortalezas do Rio Grande do Norte: Guaraíras, Piranhas, Açu e Cuó

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares





Casa Forte de Guaraíras

Também conhecido como Fortim da Ilha do Flamengo, estava localizado na barra do rio Guaraíras, em Arez, no litoral norte do Rio Grande do Norte. A região do vale do Guaraíras era um importante centro produtor de gado desde o século XVII, além de outros víveres como mandioca, feijão e milho, contudo se destacava na produção de pescado. O início de sua construção data de 1633, durante o período holandês, isto indica que ela teria sido instalada não por portugueses, mas pelos invasores, e ela se manteve ativa até 1808. É descrita na documentação como sendo uma casa de faxina, isto é, suas paredes eram feitas com madeira e terra, cercada por uma dupla trincheira e guarnecida por um destacamento de, pelo menos, 40 holandeses, além dos guerreiros indígenas.

Em 1645, ela teria sido tomada pelas tropas de Henrique Dias, o mestre-de-campo africano que liderava um exército de homens negros, contra os holandeses. A tropa, que lutava do lado dos portugueses, derrotaram a fortificação e massacraram seus ocupantes, conquistando esse prédio para o governo português. Os cronistas Rafael de Jesus e Diogo Lopes Santiago contam que o combate durou vinte e duas horas.

"Sendo informado Henrique Dias que em um sítio que chamam as Guaraíras, que dista 6 léguas de Cunhaú para o Rio Grande, tinha o inimigo um meio reduto ou casa-forte em uma linha cercada com uma lagoa grande, funda e larga, donde tinham soldados de guarnição e havia muitos índios e negros de Angola com que faziam suas lavouras, determinou de investir esta casa-forte e degolar os que dentro estavam e aproveitar-se da presa que havia.

Tanto que chegaram à lagoa, viram que estava o meio reduto cercado com duas trincheiras bem fortes e tiveram por informações que estavam em sua defesa 40 flamengos, exceto os índios, e como vê, Henrique Dias que estava tão fortificado e cercado com àquela lagoa, determinou de tomar por armas a casa-forte e ordenando as coisas necessárias e posta em ordem sua gente, foram seus soldados passando com água pela cintura e sendo sentidos dos flamengos se prepararam para defesa. Cometeu a gente com grande valor e ânimo, dando muitas surriadas de mosquetaria, mas com muito risco e trabalho, porque disparavam as armas uns sobre os ombros dos outros, por causa da água e houve de parte a parte uma travada pendência, que durou do princípio até a meia-noite, defendendo-se o inimigo com muito valor, dando muita surriadas de mosquetaria e os índios disparando muitas flechas nos nossos, aos quais grandemente seu governador Henrique Dias.

Chegando à primeira trincheira a foram desfazendo com facões e traçados e ao fim a ganharam, e querendo também apoderar-se da segunda, se começou de novo a travar uma renhida e arriscada peleja, porém, apesar do inimigo que bravamente pugnava para defender, a romperam e entraram, e o primeiro que nela entrou foi o capitão André Alves, preto, com outros capitães e soldados que nela foram entrando.

Tanto que a capitão dos flamengos viu entrada da segunda trincheira e quase ganha à casa-forte, por não experimentar o rigor dos nossos que estavam iracundos pela muita e grande resistência que houve e gente que eles mataram e feriram, se acolheu com cinco ou seis flamengos em uma canoa pela lagoa.

Os nossos apertando mais com o inimigo, lhes ganharam o meio reduto ou casa-forte, sem darem quartel a ninguém. Puseram à espada todos os flamengos e índios e como era de noite, com a fúria com que iam, sem advertirem, mataram alguns escravos que nela havia, tomando muita pilhagem e não de pouca consideração. Nessa pendência, nos mataram três soldados e um pardo e feriram muitos. Dos inimigos só escaparam cinco ou seis, como dissemos, na canoa. Os outros foram mortos com os índios que puderam colher." (SANTIAGO, D.)

Após a dominação portuguesa, em Guaraíras, se estabelece uma aldeamento, a Missão de São João de Guaraíras (ou Groaíras) começa a receber indígenas para serem catequizados em 1681 e a casa-forte se torna a proteção dos jesuítas que geriam a missão. É este aldeamento que vai dar origem a vila de Arês, em 1760 (sendo junto com Extremoz, as primeiras missões a se tornarem vilas), quando os jesuítas são expulsos do país pelo Marquês de Pombal. A população contava com 949 pessoas, sendo 284 casais e 136 jovens solteiros. Nesta época as crianças não eram contabilizadas.

O único elemento que ainda existe em Arês da antiga casa forte é um dos seus canhões que está em exibição na praça da matriz da cidade, provavelmente não muito distante, pois deve ter sido próximo a igreja de São João que ela ficava.

Foto: mapio.net

Casa Forte de Piranhas

Poucas informações temos sobre esta fortificação. Sabemos que ela ficava em Jardim de Piranhas, e estava localizada entre os rios Espinhara, à margem direita deste, e Piranhas, segundo Olavo de Medeiros Filho. Na documentação sua existência é comprovada porque é onde ficou alojado Domingos Jorge Velho, em 1688, enquanto lutava contra os tapuias. Suas tropas teriam ficado aquarteladas nesta construção até 1691, inclusive acompanhadas das Tropas de Felipe Camarão, agora comandadas por Diogo Camarão.

Abaixo temos uma foto do Google Maps da região, mostrando que não existem estruturas visíveis.

Casa Forte de Açu

Também conhecido como Fortim de Abreu Soares estava localizado na margem esquerda do rio Açu. Esta fortificação, construída pelo pernambucano Manoel de Abreu Soares foi destruída pelos indígenas revoltosos durante a Guerra dos Bárbaros, sendo um dos primeiros a serem atacados, em 1687, causando grande pavor entra os colonos portugueses. Lá acampavam uma tropa de 600 homens e após três ataques, eles foram derrotados pelos tapuias. É interessante, como conta Olavo de Medeiros Filho, que Abreu Soares construiu duas casas forte para proteger-se dos ataques indígenas, construindo um arraial em torno da pequena fortaleza, porém, das duas vezes, numa distância de quatro meses entre os ataques, eles foram derrotados pelos guerreiros nativos. Manoel de Abreu Soares fugiu para Natal.

Ao chegar na capital, o sargento-mor procurou os vereadores da cidade para relatar o que estava acontecendo no sertão. Ele é alarmista afirmando que aqueles que permaneceram nas ribeiras do Açu estavam correndo grande risco. Ele é então informado da construção da casa forte de Cuó, e é pessimista em afirmar que eles também seriam massacrados pelos revoltosos. O Senado da Câmara então tenta pedir ajuda. Ao capitão-mor Pascoal Gonçalves de Carvalho são pedidas providências imediatas para evitar uma tragédia. E este despacha um aviso para Afonso de Albuquerque Maranhão, que marcha com suas tropas contra os janduís. Nove dos líderes das tribos são capturados por Afonso de Albuquerque nesta peleja, em 1687, inclusive o rei Canindé. A guerra, no entanto, só se acirra mais com a prisão dos líderes. Veja mais sobre as Guerra dos Bárbaros aqui.





Casa Forte de Cuó

A ocupação da região em que ficará Cuó se inicia a partir da retirada dos holandeses. A região já era produtora de carne para os centros que produziam açúcar, como Recife e Olinda, além da produção de farinha e outros gêneros alimentícios necessários a manutenção da monocultura nas regiões canavieiras. É para proteger estes colonos que Cuó é levantada. Como a ocupação do Sertão se dá a partir das ribeiras, especialmente o vale do rio Piranhas-Açu, que era ocupado pela população indígena, é contra este inimigo que as fortificações se levantam. Cuó se torna uma importante base para a próxima guerra enfrentada pelos portugueses, a Guerra dos Bárbaros.

Ele está localizado na ribeira do Acauã, o maior afluente do rio Seridó, uma região extremamente fértil, por causa das cheias do rio. Hoje, é o bairro Pènedo, na cidade de Caicó. Ele tem sido confundido por alguns historiadores com a Casa Forte de Abreu Soares, que ficava as margens do rio Açu, porém Cuó só é levantado depois que a fortificação de Abreu Soares havia sido destruída, em 1687.

Ele teria sido construído, segundo Olavo de Medeiros, pelo coronel Antônio de Albuquerque da Câmara, servindo de aquartelamento para as tropas que estavam sob seu comando, tendo acesso ao atual poço de Santana, permitindo que a tropa tivesse água para beber. Os soldados ficavam acampados ao redor da casa-forte, em tempos de paz; e havia também uma capela, provavelmente construída posteriormente a fortificação, mas já dedicada a Santana (contudo após a ereção da matriz, a capela foi dedicada a Nossa Senhora do Rosário, em 1788).

A fortaleza foi o palco da Batalha de Acauã, em 22 de dezembro de 1690, que pelo menos dois mil guerreiros janduís atacaram os homens de Antônio de Albuquerque da Câmara. Este, apoiado pelo reforço das tropas comandas por Agostinho César de Andrade, conseguiu o aprisionamento de mais de mil indígenas. É interessante que novamente temos, nessa batalha, a notícia do aprisionamento do rei Canindé. Como este já estaria preso há três anos, ou ele teria fugido; ou também seria outro líder da tribo que possuía o mesmo nome.

Hoje o que resta do cenário dessa batalha são os alicerces em granito, rejuntados com argamassa a base de cal com uma dimensão de 21, 60m x 15,20 m, demonstrando o tamanho da fortaleza. O arqueólogo Roberto Airon Silva registra em seu trabalho estas ruínas. Vejamos abaixo:

O uso da casa forte e da capela permanece sendo registrado até o século XIX.. A fundação, inclusive, de Caicó se dá, em 1735, dentro da fortificação, segundo a ata de instalação da povoação. Seu último tenente de ordenanças foi Antônio Francisco de Miranda que recebeu o cargo em 1780 (até 1725, o Terço dos Paulistas ocupa o espaço, mas com seu deslocamento é criada uma companhia de ordenanças para proteger o arraial).

Para Saber Mais:

Diogo Lopes Santiago. História da Guerra de Pernambuco.

Maria Simone Soares, Maria Berthilde Moura Filha. Expedições e arraias nas ribeiras de Açu, Piranhas, Piancó, Seridó e Jaguaribe em fins do século XVII.

Olavo de Medeiros Filho. Índios do Açu e Seridó.

Roberto Airon Silva. Uma arqueologia das casas fortes: organização militar, território e guerra na capitania do Rio Grande - século XVII.