Alecrim: A Maior Feira de Natal

Por Prof. Dr. Lenin Campos Soares

Feira do Alecrim - 1920

Feira do Alecrim - 1920

Das vinte e quatro feiras que a cidade do Natal já teve, a mais antiga, a que dura há mais tempo, é a Feira do Alecrim. Ela não é a primeira, a primeira foi a Feira do Passo da Pátria, às margens do Potengi, que funcionava desde 1870 e se encerrou em 1935 ofuscada pela Feira do Alecrim. Câmara Cascudo conta que a feira começou pequena em 1920 (ela fez 100 anos ano passado), com alguns comerciantes (cita-se o nome de José Estevam de Andrade e José Francisco dos Santos) expondo suas mercadorias nas ruas, em um domingo, 18 de julho. No mesmo ano, com interferência do prof. Luís Soares, que articulou uma visita do presidente Teodósio Paiva e o vice-presidente Fortunato Aranha, e com isso a Intendência Municipal (como era conhecida a Prefeitura à época) aprovaram a feira.

Ela funcionou por vinte anos aos domingos, porém, em 1940, o prefeito Gentil Ferreira de Souza, considerando a Constituição Federal e uma Lei Estadual de 1936 - que tornava obrigatório o descanso dominical aos trabalhadores -, transferiu o funcionamento da Feira do Alecrim para o sábado. Segundo Carmem Margarida Alveal e outros autores, a feira começava no cruzamento da Avenida 1 (a atual Av. Presidente Quaresma) com a Av. Amaro Barreto, abrangendo toda a região até a Avenida 9 (atual Av. Coronel Estevam).

“Na primeira fase, observamos a existência de costumes característicos das feiras antigas, a exemplo da exposição de produtos no chão e da utilização da unidade de medida litro (em que cada 1 litro corresponde a uma lata de óleo de 900 mililitros, preenchida com determinado produto). Quando ao equipamento de medição, os feirantes utilizavam, nessa fase, a balança de dois pratos. Era ainda muito comum a ‘hora do grito’, momento em que os feirantes diminuem os preços dos produtos e os divulgam através do grito, que objetiva atrair os clientes e evitar com que os vendedores permaneçam com as ‘bóias’ (produtos que sobram).” (DOZENA ET AL, 2012)

Uma curiosidade: a expressão “ficar boiando”, parte do linguajar natalense, tem origem nas feiras. Ficar boiando é um indivíduo que sobra porque não entendeu algo que foi dito.

Feira do Alecrim - 1970

Feira do Alecrim - 1970


Na década de 1940, no entanto, a feira mudou-se para o local atual na Av. Presidente Quaresma, a partir do cruzamento com a Av. Coronel Estevam até a Rua dos Canindés. Nesta época, a feira se tornou o principal meio da população natalense abastecer suas casas. Na década de 1950, a população natalense saltou de 54 mil habitantes para 103 mil, com isso novas feiras também surgiram, nas Rocas, Carrasco e nas Quintas, porém a feira alecrinense continuava sendo a mais importante da cidade. Criou-se um circuito de feiras: no domingo montava-se a das Quintas; na segunda, a das Rocas. a quarta-feira era dia do Carrasco e, sábado, o Alecrim (em 1968, duas novas feiras foram inseridas, a Feira da Cidade da Esperança e a Feira de Lagoa Seca).

Em 1970, tivemos a criação das Centrais de Abastecimento - CEASA, que alterou as relações entre o campo e a cidade, agora o alimento não ia direto do produtor até a feira, o feirante comprava seus produtos na CEASA, e também a instalação dos supermercados como Nordestão (no Alecrim), Minipreço e Hiperbompreço (na década seguinte). Se começa na década de 1970, a construir um ideário depreciativo às feiras livres. Elas passaram a ser tratadas, pelo poder público, como algo obsoleto, atrasado e arcaico, elas são chamadas de “forma anacrônica de varejo” nos documentos oficiais.

“Foi estimulado no imaginário popular a representação das feiras livres como sujas, barulhentas e mal cheirosas; enquanto as redes de supermercados foram representadas como modernas, confortáveis e higiênicas. Tal mensagem se tornou evidente nas propagandas televisivas que divulgavam essas redes de supermercados. (…) Assim sendo, dezenas de cidades brasileiras tiveram o funcionamento de suas feiras livres suspenso”. (DOZENA ET AL, 2012)

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Mas a feira se manteve. Ela mudou. Os produtos que eram expostos no chão, agora eram expostos em barracas. Mesas de madeira, desmontáveis, protegidas por uma tenda. Balanças mais precisas começaram a coexistir com as balanças de prato. Tudo isso para tentar combater a imagem negativa que os empresários dos supermercados construíram. No entanto, apesar de toda essa propaganda, o que observamos é, na década de 1980, não uma diminuição das feiras livres, mas o nascimento de pelo menos mais dezesseis feiras nos bairros da cidade como Igapó (1982), Pirangi (1984), Ponta Negra, Nova Descoberta, Cidade Nova e Felipe Camarão (1986), para citar algumas.

Em 2005, as feiras passam a ser de responsabilidade da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SEMSUR) e esta estabelece uma setorização da feira, separando uma região para as bancas que vendem carnes, outra para as que trabalham cereais e verduras, um outro setor pertence às frutas e aqueles dedicados aos frutos do mar tem sua própria área de trabalho.

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Sob a nova administração da SEMSUR, foram instalados banheiros químicos, porém o número de barracas foi limitado. Nenhuma novo feirante pode começar a trabalhar na Feira do Alecrim. As tentativas de normatização, no entanto, esbarram nos próprios feirantes que subvertem a ordem que lhes é imposta de cima para baixo. “Um simples caminhar pela feira nos permite observar alguns elementos tradicionais que insistem em permanecer, muitas vezes em oposição aos interesses dos atores hegemônicos [a Prefeitura e a SEMSUR]”. As práticas de sociabilidade dos feirantes, por exemplo, em que eles cozinham juntos na feira, bebem “uma cervejinha” e conversam sobre suas experiências e conflitos; negação do horário de encerramento imposto pela Secretaria Municipal; tudo isso reage a tentativa da Prefeitura de controlar e normatizar a feira.

Em 23 de dezembro de 2020, no seu aniversário de cem anos, a feira foi eleita Patrimônio Imaterial do Rio Grande do Norte por unanimidade na Assembleia Legislativa do RN. O autor do projeto foi o deputado estadual Ubaldo Fernandes (do PL) que justificou a partir da Constituição Federal, a qual reconhece que o patrimônio deve ser preservado pelo Estado em parceria com a sociedade, especialmente dos bens culturais que sejam referências a diferentes grupos da sociedade brasileira. A feira, atualmente, tem 1056 feirantes e ocupa 515 metros de barracas, e esta tradição centenária precisa ser protegida.


Para Saber Mais:

Alessandro Dozena, Cleanto Lima da Silva, Elizabete Gurgel. As relações de permanências e coexistências entre o tradicional e o novo: ensaio exploratório sobre a feira do Alecrim em Natal-RN.

Carmen Margarida Alveal, Raimundo Arrais, Luciano Capistrano e outros. Memória, minha comunidade: Alecrim.

Itamar de Souza. Nova História de Natal.

Thiago Augusto de Queiroz. As feiras livres de Natal-RN: um estudo a partir da teoria dos circuitos da economia urbana.